quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

quebrando paredes

não sei quanto posso dizer de interessante ou suficiente em relação a certas questões, mas sempre tento fazer algo que chamo de exercício excêntrico. esse exercício excêntrico consiste em olhar para algo ou situação e tentar analisar criticamente aquilo. até aí nada demais, nada de complicado ou impossível. muitas vezes quando faço esse exercício me deparo com problemas que vem da própria critica, no caso quando a crítica também afeta as minhas próprias ações. criticar é fácil, mas fazer autocrítica, bem, é mais complicado. no caso volta e meia me deparo com becos sem fim como esse.

o exemplo que tento desenhar aqui é o do ufc - ou mma para os mais puristas. primeiro tento me lembrar do primeiro contato com o evento – não chamarei de esporte em hipótese alguma, mais à frente explicarei os pormenores – e me vem à cabeça meus tempos de criança. criança mesmo. bote aí 1997 ou 1998, e você têm uma criança que praticava por escolha dos pais um esporte, no caso o jiu-jítsu. ótimo para por na linha infantes desviados e ótimo também para expor os mais sedentários – como no meu caso – a hábitos mais aeróbicos. à época me lembro que fazer jiu-jítsu ou qualquer outra luta marcial era febre entre os colegas de colégio e os demais nobres jovens de classe média. o boxe estava um tanto quanto ultrapassado e por mais que nossos avôs e pais tivessem escutado pelo rádio as antigas lutas de alis, fraziers e jofres ainda consideravam o “esporte” violento. bater num homem até ele perder a consciência é algo estranho desde sempre. ainda mais quando se convencionam regras e se estabelece a violência como esporte. e é essa mentalidade que quero explorar.

a luta marcial, como algo digno de exercício aeróbico também sempre foi digna de lições valiosas – segundo nossos mestres e pais – que não só trabalhariam o corpo do praticante como a mente e o espírito – sim, piegas, mas verdade. há séculos de escritos atrás de nós que ilustra o quadro muito bem. a defesa pessoal como ponte para a proteção de semi-capazes e fonte de disciplina para os belicosos. a própria mentalidade das lutas marciais – me refiro às lutas mais em voga desde sempre - vem de outra linha de pensamento – no caso o oriental – e no caso sendo algo exótico e estranho ao nosso linear pensamento. pois bem, essa fonte de inspiração, disciplina e controle sobre corpo e mente sempre seduziu quem pouco entende o cru – e cruel - mundo que vivemos. o problema está quando a gente tenta estender essa carga de benfeitorias para lados que não parecem muito complacentes com a filosofia inicial.

pois bem, diariamente indo à academia - numa infância não tão longe - em companhia de meus pais – árduos operários do leva e traz pra casa cotidiano – sempre passava perto da locadora de vídeo – um achado nos dias de hoje e em exibição nos museus das próximas décadas – e havia sempre um vídeo passando na tv. tratando-se de uma locadora de vídeo em uma academia, não se esperaria ter mais filmes sobre dramas e comédias do que esportes e aventuras. o homem muda a paisagem e a paisagem muda o homem. entre os vídeos que eram exibidos havia aquelas fitas que continham ufc’s - ainda longe da casa das dezenas -, assombrosos espetáculos de “carnificina humana”, uma extrema-unção nos valores de nossos pais, que mal digeriam o até então nada inofensivo boxe. e nas andanças pela locadora, os pais - sempre em sãs consciências - advertiam filhos para não assistirem o show de selvageria – ainda incipiente – no recinto. advertência que valeu para mim também.

até aí, foi o caminho natural de todo praticante infantil de luta marcial. não veja o ufc, mas obedeça às instruções dos golpes de seu mestre. só que de um tempo para cá as coisas tão mudando. e aqui o proto-senil digitador tenta ver como chegaram ao ponto que chegaram. não que tente aqui alertar às varonis famílias brasileiras quanto à moléstia incurável causada nas futuras gerações pela violência gratuita televisionada. não. esse discurso é deixado para outros perfilarem. mas, tento fazer um exercício excêntrico. lembra dele?

tento buscar aqui o “turning point”. em que ponto se tornou saudável e extremamente prazeroso convidar amigos ou combinar encontros para assistir aos nossos “gladiadores do terceiro milênio”? é valido chamar de espetáculo o que outrora eram demonstrações vulgares de poder? é benéfico tentar fazer de uma idéia romana de entretenimento algo que possa ser chamado de esporte? são essas questões que ponho volta e meia na cabeça. e explico que a critica também se relaciona com a autocrítica, já que tenho amigos e vejo as lutas volta e meia.

a idéia de novos espartacus do século xxi é recente. no caso nacional, é quase fetal – o que também nos leva a perguntas quanto ao seu aborto ou não. o mundo em que vivemos, assim como quaisquer mundos ainda não conhecidos, é resultado de séculos e milênios de luta pela sobrevivência, na qual e as raízes e cicatrizes marcaram profundamente e são carregadas em nosso material biológico. quando temos séculos de historia que nos mostram que desde que o mundo é mundo, ele é um lugar feroz, com poucas luzes e nem um pouco convidativo para os inaptos, há gente que tenta explorar isso. como um nicho de mercado. batalhas, guerras, conflitos sempre foram travados perto dos batalhões, mas nunca na frente do homem comum. no caso mais especifico, guerras sempre existiram, mas elas nunca foram noticiadas para os não-soldados na velocidade como ocorre nos dias de hoje. quando ela chegava para aqueles que não estavam nos frontes, bem, ela terminava também com quem não estava nos frontes. e a memória da guerra prosseguia através de relatos de quem sofria com a guerra. no caso de nosso mundo globalizado, as noticias da guerra chegam a todo o momento, não importando onde ela ocorre. ou em que horário ela ocorre. e grande parte das vezes são relatos por parte de quem não sofre com a guerra. então, desconfio eu, que o sentimento de estar perto da batalha, porém no conforto do lar é bastante aprazível e fascinante para quem pode usufruir de tal informação. sem a dor de uma blitzkrieg. e é aí que o combate mano a mano – com “regras” – se torna febre, apesar de nossas ponderações quanto ao delírio.

não tento aqui invocar o teatro desde tempos passados para a explanação acerca do assunto, digamos, sangrento, mas há um certo quê de tragicomédia humana na exibição de socos e chutes. e o fascínio que decorre de tais. o entretenimento e o espetáculo sempre serviram como motores de paixões humanas, sejam elas boas ou ruins. uma peça, uma música, um filme ou qualquer forma de manifestação artística sempre teve seu valor quando toca o homem, comum ou não, no âmago de seu ser – eu sei, piegas também. e outro nicho de mercado e forma de exploração é criado. não que todo teatro, cinema ou álbum sejam os mais sublimes de todos feitos do homem. mas há um fator essencial para a sua execução, no caso a afloração de paixões ou ódios. como motor de sentimentos, a arte também é motor de ressentimentos. como tudo no mundo, há o doce e há o amargo. o espetáculo, desde tempos remotos, é fonte de inspiração e discussão entre iguais. não há como negar isso. mas há espetáculos que surgem para reflexão, exaltação e introspecção. mas há outros que não. peço aqui ainda que a prosa não seja levada a níveis fundamentalistas, não é de forma alguma um protesto conservador, mas sim um exercício crítico. não me remeto a tempos melhores ou a ares mais frescos, mas não consigo deixar de tentar avaliar o panorama. no caso do mma não há nada disso. apenas pão e circo. ou melhor, dizendo, mcdonalds e sangue. há, lógico, espetáculos que servem apenas como diversão “boa e limpa” e não afeta em nada quem assiste. mas quanto ao mma, não se sabe é algo passageiro que não irá afetar quem o assiste.

ao tentar transpor o “espetáculo” para a arena do “esporte”, o mma - e me dirijo aos fãs e realizadores – pode chegar a terreno pantanoso. a idéia de ter dois homens se engalfinhando até a desistência – consciente ou não – de um dos dois se tornar esporte é perigosa. assim como já vimos homens endinheirados morrerem pilotando a 300 km/h envoltos em duas banheiras de combustível solido há o sério risco de o novo “esporte” ir pelo mesmo – mau - caminho. não só dentro do ringue ou da pista, mas principalmente fora deles. nossa paixão por velocidade e violência faz vitimas há tempos. mas o problema é quando há vitimas que são inocentes. reverberarão de muito longe, gritos primais de que nunca houve morte no ufc. bem, ainda não. e no ufc. fora dele, cansamos de ver - à tarde mesmo, entre o filme calmo e a novela - tragédias – ocorridas das mais diversas formas - meticulosamente exploradas para delírio do publico. e a carga de se tornar esporte - algo que deva ser praticado por ser benéfico - pode fazer alguns parafusos se afrouxarem em cabeças mal-balanceadas. sim, também será dito que o próprio realizador-maestro do jogo todo é contra o rótulo de esporte e que prefere espetáculo. ok. mas ele é um dos poucos. não por ética ou qualquer coisa que valha, mas por algo que o isente de problemas, principalmente no primeiro minuto que algo feder, ele irá levantar a voz e dizer: “eu avisei”. mas aí não sei se será tarde.

não tento aqui fazer uma demolição do caso e forçar o enjaulamento dos culpados, mas acho essencial o exercício de desconstrução e reconstrução para uma melhor crítica. prefiro a desconstrução não por me tornar imparcial do assunto, até porque já me declarei espectador sazonal do evento, mas para tentar por na crítica um pouco de autocrítica. não é só com o dedo em riste que a crítica deve ser feita, mas também com o rosto pro espelho.

infelizmente, há algo que não se pode negar na coisa toda. que há uma institucionalização da violência na nossa sociedade. não vou datar – e nem sei como fazer isso - como começou, mas que ela existe, existe. o sujo, vulgar, o violento, o sádico tem lugar em nossas límpidas salas de visita. apenas ainda não temos a coragem suficiente para assumir isso. e eventos como o ufc - e afins - nos ajudam a transvestir nossos ódios mais bestiais como coisas levianas e banais. o problema é quando a montagem acaba e o palco some. e alguém vai querer tomar o lugar dos atores.


pode ser que eu esteja errado, mas não gostaria da quebra dessa quarta parede.

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