domingo, 29 de janeiro de 2012

fins de século

de férias me pego pensando em assuntos que não me são comum durante o dia-a-dia. ou até são. mas não os exercito com mais afinco. entalado no vai e vem do trabalho e no solta e puxa do fim de semana, paro poucas vezes para refletir sobre questões mais entranhas, se assim posso dizer. questões que nos levam a ficar acordados até altas horas da madrugada e que nos fazem – a contragosto – refletir o que somos. com as férias pude ler mais e gastar boa parte de meu dinheiro em livros, tarefa saudável que sempre gostaria de fazer. porém pouco realizável durante os meses sem o sol a pino na cabeça.

comprando livros e lendo-os me ponho na posição de leitor e tento esmiuçar cada linha e cada significado daquilo que leio. o que mais tem me chamado a atenção nos últimos tempos foi ler henry miller. no caso li pesadelo refrigerado e primavera negra. tinha lido pouca coisa de miller ate então e resolvi me aventurar no caótico mundo – que haviam me dito – da escrita de miller. bem, até então me pareceu bem caótico. mas na qualidade de leitor que busca algo além da linha me deparei com semelhanças que me deixaram pensando.

encontrei em miller uma angústia que me pareceu bem vívida. muito pouco inventada. real, se pode assim dizer. uma angústia de quem realmente se angustia e não tenta dar falsas impressões para vender livro para yuppies ou compradores de best-sellers. há algo cru nesses livros, que faz das linhas um jogo dialético de progressos e regressos. há alguém que escreve procurando saber o que é, o que se tornou e o que mudou no mundo tanto a ponto de angustiá-lo.

olhando melhor pra miller e sua biografia há alguém que nasceu no final do século xix e que viveu boa parte da vida no século xx. há alguém que por força da idéia de “novo começo de século“ não consegue pertencer ao novo por ter nascido no antigo. e isso foi o que me levou a gostar da leitura. por passar por semelhantes “problemas”. há algo que as pessoas que nascem no fim de um século tem de angustiante e estranho que poucas pessoas entendem. não quero aqui defender um caso de conflito de gerações, mas quero gerar constatações que possam me ser úteis.

ao crescer e ser criado em outro século, acaba-se por incorporar os valores desse século, que para o novo são, de prontidão, antigos. nascer e crescer nos últimos 20 anos de um século é angustiante. é angustiante por termos enraizado em nossas cabeças essa forma linear de séculos. essa história em blocos de 100 anos. que se renova a cada 1200 meses. quem nasce no fim de um século tem o privilegio de saber o que ocorreu nos 80 anos anteriores e o desprazer de saber que em nada contribuiu para eles. a história está posta, pronta e catalogada, sem surpresas. então se espera o fim do século para tentar ser algo, alguém, um tipo qualquer que se faça valer. que tenha suas ações reconhecidas, que possa contribuir para o novo. mas o conflito em ser de um século passado e ter idade suficiente para ver boa parte do século novo não é fácil. pelo menos é o que sinto lendo miller e o que sinto vivendo no nosso bravo tempo.

se há algo que não consigo me afastar é da minha criação e o tempo que vivi enquanto criança e adolescente. algo que há 10 anos significava muito dizer. mas hoje faz pouco sentido, uma vez que nossos pais estão se indo e os filhos que nascem não saberão do que estamos falando. um eco chato do passado e uma voz estranha ao futuro. uma angústia permanente de não pertencer a lugar nenhum. de estar sempre entre o passado e o futuro, mas nunca no presente. sentir que você já é uma geração formada. e mais que geração formada, é uma geração de transição, na qual será creditado nenhum valor. não mais que um valor de transição. ser uma ponte - não verso ou sequer refrão - entre o antigo e o novo e se tornar imóvel, porque suas raízes estão em outro século e o pensamento linear força suas ações em direção ao novo século, mas seus pensamentos, tradições, costumes são de outro. parece proto-saudosismo. pode até ser, mas acho que não é. não é um murmúrio senil de quem não tem mais nada a perder e espera a morte de braços cruzados. mas é um sentimento de imobilidade por estar entre duas realidades, saber o caminho e não poder usar.

não que tudo que possa ser feito por mim ou meus iguais seja jogados no lixo ou sequer possa ser realizado, por sermos de um tempo perdido no espaço. ou de um espaço perdido no tempo. mas há uma carga maior de significados no que decorre de nossas ações. e que é muito pouco notada por aqueles que não compartilham de nossas “agruras”. não que a angústia só se revele verdadeira a cada fim de século e começo de novo. mas ela é muito maior nesse período de tempo. entre pertencer ao antigo e viver no novo há cargas maiores do que nascer na idade “certa”. lógico, há autores e outros mais que possuem angústias e que nasceram e viveram em um só século. mas são angústias diferentes. os filhos de fim de século parecem carregá-las com mais intensidade.


pode ser que eu esteja errado, mas tentamos não ser casos perdidos.

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