quarta-feira, 4 de julho de 2012

um clássico nas férias

há muito não lia um livro daqueles que nos indicam para ler na faculdade. mais especificamente um livro que para quem se adentrou no feroz mundo das ciências ditas sociais - de longe lembro-me de um colega retoricamente dizendo: "mas que ciência não é social???" - das geografias e histórias afins, dos quais imortalmente sempre ouve-se falar. 

comecei e terminei num mesmo dia de ler as quase 250 páginas de "O Colapso da Modernização" do Robert Kurz. não sou um leitor ávido do autor, e confesso que tirando por um ou outro artigo e/ou passagem do mesmo, nunca tinha lido de cabo a rabo nada mais contundente do alemão. o livro é bom, escrito no final da década de 80 e começo na década de 90, justamente do meio pro fim da implosão da união soviética, que o autor e a torcida do flamengo lá do IFCS denominam por fim do "socialismo real". eu prefiro chamar de socialismo "surreal", mas enfim, são notas de rodapé para a história. 

algumas dúvidas foram esclarecidas, outras nem tanto, mas no conjunto é algo bom. até porque o próprio autor se encontrava no meio do imbróglio todo e, por razões puramente lógicas, não há ninguém melhor para falar de uma crise européia do que um europeu, até porque sartre não saberia escrever melhor sobre a imaterialidade de qualquer botequim do que aldir blanc e cia. o livro esmiuça bem o fim do "sonho proletário" e as consequências da planificação e "refutação" da lógica da concorrência e mostra que na verdade o estatismo totalitário nada tinha de diferente com o nosso benfazejo monetarismo totalitário.

saber que o estado de bem estar social é apenas a outra face do libertarianismo voraz, todos sabem, uma vez que o welfare state é apenas aquela tirada do pé do acelerador para mudar a marcha. em outra analogia simples, apenas um dia para arrumar melhor as armadilhas e esperar a noite chegar pra pôr em prática, de forma covarde, a seleção natural. kurz mostra no livro que a marcha para o fim do socialismo é também uma etapa para o fim do capitalismo. assim como a formulação de uma alternativa ao sistema capitalista nada mais foi do que um feng shui do próprio. mais do mesmo, mesmo do mais.

para um livro de 20 anos, é bem profético quanto a isso. o autor enumera e categoriza cada falha de cada sistema - e por vezes essa enumeração me deu sono, confesso, mas nada que um café e uma esticada nas pernas não tenha resolvido - e mostra que na verdade o próprio marx - ou lenin, ou stalin; sinta-se a vontade para denominar o seu cretino - não engendrou uma solução nova, mas sim apenas mudou um quadro aqui e uma mesa ali. para um hegeliano, bom, isso é fácil. a marcha agonizante para qual nos encaminhamos é bem exposta no livro. daí dou razão para os catedráticos de cabeças brancas que tanto falam bem dos clássicos. de alguma forma eles têm razão. apesar de eu nunca comprar o peixe deles, nesse caso ele cheira bem.

a sensação ao ler o livro é de satisfação no geral, mas em certas pontualidades o alemão não joga do jeito que a gente queria. "ih lá vem a retranca...". há grandes passagens do livro que dão aquela sensação de "porque eu não pensei nisso antes" e em outras também grandes passagens há aquela outra sensação "pô, falou merda". não sei se posso categorizar o camarada como marxista, ou se sequer posso alcunhá-lo de camarada, mas parece que tudo remete a marx e a deturpação do pensamento original - e sobe aquele cheiro de "intocabilidade". em alguns lugares o autor ensaia uma superação do "modelo" marxista, mas fica por isso mesmo. como padres que se apegam a santos, o kurz se apegou muito a marx. como na santíssima trindade: pai, filho e espírito santo. no caso acá foi marx, engels e a mais valia. posso estar errado, como sempre qualquer um pode estar, mas me pareceu que no final o problema é que "todo mundo leu errado e não é bem assim". discurso que, bem, ouvi muito nos corredores litorâneos da faculdade.

kurz bebe de muitas fontes, a buscada de fichte e a "profetização" quanto aos fundamentalismos são sensacionais, mas a ladainha em torno da superação não mostra nada demais. dirão ao longe que "ô companheiro, tem 20 anos o livro!" e dou o braço a torcer quanto a isso. mas que o livro não é aquela formosura não é. é um clássico, notório e precisamente no melhor sentido. mas todo clássico tem o teste do tempo. talvez ainda essa semana eu releia o manifesto contra o trabalho pra ver se acho alguma coisa que me faça entender melhor a "superação". fiquei com vontade de ler outros livros do camarada, e provavelmente devo fazer isso. uma boa leitura, acima de tudo, e um bom passatempo para as mal-sonhadas férias de meio de ano.

pode ser que eu esteja errado, mas para ler com gosto o Kurz, eu precisava mesmo de férias.