sábado, 24 de dezembro de 2011

o bobo está morto. viva o bobo.

christopher hitchens está morto. enterrado. nunca mais ousará falar, escrever ou beber de novo. assim esperam os seus detratores e assim lamentam os seus orfãos. tudo que pôde ser dito a respeito do homem foi dito. nos resta pouco a dizer. mas também nos resta pouco para entender.

nos resta muito pouco para entender a importância de pessoas como hitchens. pessoas que não se deixaram amolecer pelo tempo, versões, fatos ou por pressões de forma alguma. ainda que todos esses empecilhos sempre tenham existido e sempre existirão. pessoas não "de fibra moral", mas pessoas de verdade, que existem mesmo e que não compactuam com o status quo. e ainda mais quando esse status é tão débil e possuidor de reações infantis como o que se tem hoje. e que tristemente será legado às futuras gerações.

uma pessoa que ao escrever lembrava um fictício debate - às vezes nem tão fictício assim - entre o bobo e o rei. a comparação pode parecer exagerada ou errônea, mas muitas vezes ao ler hitchens me deparei com isso. e aqui também espero que quem lê essas linhas possa ter a mesma noção. "disparates" que eram dirigidos à magnânimas pessoas e/ou instituições e que poucas vezes pareciam fazer efeito. mas que no fim, para fascínio da leitura, faziam. e é aí que a gente gosta. quando o bicho pega. mais especificamente quando o bicho pequeno pega o grande.

nesse jogo de bobo contra o rei a comparação pode parecer esdrúxula, há certas coisas que não podem ser negadas. como autor, hitchens zombava com um peculiar humor inglês - perdido, ou não-usado, há algum tempo - de tudo e todos que ao seu ver, e à luz de uma consciência crítica, estavam não só errados, mas profundamente equivocados da raiz até a folha. assim como orwell, uma de suas maiores inspirações - e aqui também puxo o pirão, porque monsieur eric blair era e é certamente mortal na expurgação de bactérias humanas afins - hitchens era um cavaleiro sem exército. escrevendo sem ter filiação política ou amor à pátrias. numerava uma a uma as idiossincrasias cotidianas de reis e rainhas e as demolia como um castelo de areia. deixando muito pouco a ser dito, as varria do ambiente e das idéias daqueles que às liam e/ou assistiam. suas opiniões poderiam até ser discordáveis, porém a argumentação sólida e a ironia pastosa faziam da crítica um deleite, quando não até para o próprio alvo.

ainda que as maiorias silenciosas não liguem a mínima - ou até regojizem - para a morte de mais um "inimigo da fé" - um dos diversos tratamentos ao falecido - elas ainda escutarão suas reverberações. enquanto houver ignorância motivada pela crença, algum leitor de hitchens - e aqui me incluo - brandará em um tom moderado, como o mestre: "idiotas". o conhecimento, sabia bem hitchens, não serve para nos deixar mais confortáveis, mas para aumentar a consciência que estamos vivos. e justamente no calo que aperta, poucas almas vivas queriam colocar sapato.

o percurso até a destinação final foi extensamente documentado pelo próprio, abrindo - e até chocando - os olhos do mundo que lhe era (a)crítico e reforçando as idéias dos concidadãos do pensamento hitcheniano. não se foi de modo triste por ter sido mais ou menos documentado, mas se foi de forma real. como, talvez, sempre quisera - e também talvez, como sempre quisemos.

christopher foi como se precisássemos sempre ser lembrados: todo mundo morre. e a maioria das vezes não é bonito. por mais que o epitáfio tenha sido marcado em cada artigo, a despedida em cada leitura e a sombra do ceifador em cada linha, não houve nenhum traço de pieguice. travado pelos motores e rotores de uma cama de hospital a vontade - e volúpia - com a qual sempre escreveu continuou. para delírio do público presente e tristeza do público pagante.

hitchens é, foi e será uma grande voz no fim de cada túnel. aquela voz não que guia, mas que rouca e ébria dá sinais tremendamente válidos àqueles que se recusam a enterrar as cabeças e agradecer às botinadas. assim como orwell e outros mais se foi, assim como todos nós iremos. do primeiro ao último instante deixou desconfortavelmente isso claro. mas também deixou um mundo, esse sim, mais confortável para aqueles que não se acomodam e um pouco mais desagradável para o resto entumecido.

pode ser que eu esteja errado, mas hitchens está certo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

a espécie estúpida.

que todos nós estamos na era da informação é óbvio. Dirão, mais ainda que estamos na era da opinião. e, mais a frente ainda será dito que estamos na era da conexão. sim, ok, todas alternativas anteriores são válidas, mas a expressão menos dita é a da era da exposição. “oba, mais uma tese”. não, não. uma constatação. sombria, aliás.

nunca antes na história da humanidade viu-se multiplicar as opiniões imbecis, ou segundo a cartilha troglodita de eufemismos, politicamente incorretas. a raça estúpida ou espécie imbecil – que, note bem, nada tem nessa crítica a ver com eugenismos – se prolifera na medida que as conexões e comunicações avançam. quanto mais tecnologia temos, mais idiotas estão a usando. então os idiotas nascem da tecnologia? não. eles estão apenas a usando, coisa que não faziam antes.

se algum engraçadinho cheio de boas intenções – assim como no inferno está cheio delas – resolvesse abrir sua boca, o filtro crítico social o limaria na primeira instância e o provavelmente o submeteria ao ostracismo e/ou obliteração. mas na nossa interconectividade digital o placebo se torna real e o magno bossal é idealizado, por outros bossais, até a última gota de ignorância. tudo por conta da tecnologia e a sua democratização. sim amigo, a democracia tem seus problemas.

ainda que pensemos, que a democratização do acesso à tecnologia seja feito de forma desigual – levando em conta as escalas de centro-periferia - ela é feita de forma total em áreas que existem pessoas com acesso digital à informação – lê-se: um computador e um provedor - sejam elas sadias ou imbecis. e não é por conta da falta de filtro, mas por conta da fácil acessibilidade do meio digital que somos inundados pelas opiniões mais preenchidas de desatinos nunca antes vistas .

o bravo mundo novo dá acesso democrático à informação – se você pode pagar, é lógico que pode passar pelas ruas digitais gritando seu nome – e não filtra a parcela debilitada de auto-crítica que acessa. não cria guetos, pelo contrário, erige grandes avenidas para a veiculação de obras homéricas de ignorância cavalar, demência coletiva e complacência com o pior dos mundos.

casos de humoristas dotados de soberba e perda de humanidade não são os primeiros, e para perturbar mais uma vez o seu sono, não serão os últimos. ainda que não se faça – e não deve ser feita - uma seleção psicotécnica para os usuários da grande rede, já que de censura estamos satisfeitos e não queiramos viver como nossos pais, cabe a nós, parte sadia que resta dos usuários da comunicação remota, termos o nosso próprio filtro crítico, sabendo separar os loucos que professam a demência dos sãos que provocam a dúvida.

e o primeiro passo, dos doze, é justamente a análise. ainda que estejamos numa piscina de informações por conta da velocidade de nossas conexões, eleger ídolos de ascensão meteórica não é a indicação mais inteligente a se fazer. nos enganamos, mais uma vez por conta da velocidade, ao sabotar nossas críticas ao macro-senso comum. um exemplo vívido: alemanha, 1933. não que a comparação aqui esteja ultrapassando os limites - como o alvo da crítica – ao pôr reles comediantes no mesmo patamar de déspotas insanos, mas um conselho bom: no mar de certezas, é sempre bom ter dúvidas.

pode ser que eu esteja errado, mas torço para essa extinção.

domingo, 2 de outubro de 2011

deus não abençoa nelson rodrigues.

nelson rodrigues estava certo quanto ao complexo de vira lata brasileiro. sim, somos um exército de narcisos às avessas. e o pior é que não irá se reverter o quadro. e digo isso pelo recente aporte em terras brasilis de nossos bem condecorados artistas internacionais para o supra-sumo do vira-latismo brasileiro: o rock in rio.

sim, é um mega evento que, como cometas, acomete nossas plagas de tempos em tempos, ou seja, quando algum espertalhão quer ganhar um pouquinho mais de dinheiro. o nome, já sabemos, as intenções também, mas por que ainda caímos no conto do vigário, ou melhor, do profeta?

caímos porque sentimos a necessidade de partilhar com o mundo o pouco que ainda resta de entretenimento de massa. porque ainda queremos nos homogeneizar ainda mais, não podemos só comer burger king, usar nike ou termos facebook, temos que gravar em imagens tremidas, sofridas e distoantes de nossos celulares os shows internacionais do ano. como se num chamado por atenção, ou quem sabe até socorro, estivéssemos falando ao mundo: “sim! nós vemos os mesmos artistas que vocês ao vivo”. sim, vemos, ainda que paguemos bastante caro por isso. caro em cotas econômicas e de paciência.

o magnanismo da festa tem origem duvidosa, já que o titulo da redação não compreende muito bem os parágrafos. “quase rock in rio”? quase isso. para os mais puristas o fim, para os menos puristas, o começo. e é aí que a maionese talha. na jihad cotidiana todos pensamos que o nome tem que bater com o conteúdo. já outros inventam desculpas, patenteadas lógico, para dizer o contrário. “mas não é mais fácil mudar o nome do festival pra outra coisa?”. “a marca é registrada, não dá”. “então porque vocês não colocam realmente só rock?”. “porque não queremos”. e a discussão continua assim como uma espiral que acaba quando os fogos são soltos.

“lógico, iremos lhe dar metallica e tudo o mais, mas você vai ter que agüentar a claudia leite e ivete sangalo”. lógico que isso não se verifica, até pelo cronograma do audicidio, as retas paralelas não se encontram. mas há algo que incomoda aos mais puristas. justamente o puro, o saudoso, o antigo. o cidadão instigado se remete a um tempo em que as coisas eram diferentes, e como se num mundo que não parasse e não pudesse mudar, quer as coisas como estavam. "manteremos o nosso cantinho limpo". mas os tempos são outros, e os fluxos também. não há sustentação de um festival focado em um só estilo musical, porque sabemos das intensidades de nossas paixões, mas pouco vemos nossas precaridades quanto ao consumo. o rock de arena não mais se sustenta em nossas gramas sintéticas, porque apesar de parecer, a realidade quanto ao consumo do gênero maldito é parca. e daí surgem leites e sangalos, fentys e hudsons. para justamente sustentar o consumo. ainda que não nos atinja mecanicamente, as divas dissonantes afetivamente mancham nossas memórias de mercurys e dicksons.

o vira-latismo costura toda essa relação conflituosa – cara, esdrúxula e contraditória – já que todos os shows parecem mil maravilhas e que a tudo e todos agradam quando as luzes se apagam e a ribalta em festa anuncia o começo de uma ou mais horas de puro êxtase auditivo. parece que há no brasileiro, pelo menos no espectador, um problema sério de compreensão que há um profissionalismo musical em escala mundial. e pesa também achar que o show por se passar na cidade-chave brasileira e no cartão postal do “pátria” iria ser de alguma forma especial. não é especial, está alem disso, é profissional.

não nos iludamos quanto a qualidade do outro por justamente ele se tratar de outro. não há troca de espelhinhos para que possamos assistir um show de qualidade. se há no rock – sim, me refiro ao pouco de rock condizente com a capa do livro - de arena, de espetáculo e de grande estrutura uma coisa certa, esta é quanto a sua qualidade, e no nosso vira-latismo, acostumado com a mambembização das coisas, duvida muito que ele possa ser feito justamente para nós, pobres moradores da periferia do sistema, não merecedores de açoitadores tão bons.

o pior é isso, é duvidar do fator de homogeneização da cultura. como se não houvesse no mundo as mesmas bandas em palcos enormes e com os mesmos set-lists - que por increça que parível – agradam a todos. como se o entretenimento de massa não fosse um grande espetáculo de luzes e som em que todos nos sentimos confortáveis. ele o é, assim como o seu subway de domingo, a sua coca-cola cotidiana e seus filmes em dimensões alteradas. a globalização do serviço também atinge à cultura, já que a r$90 não podemos tratar algo como caro e sem valor.

há um valor lógico nisso tudo. tanto um valor de troca quanto um de uso. “ok, 90 reais? 3 shows bons pra você nunca esquecer”. e alguns ainda se assustam com isso, como se não fosse normal, como se não merecêssemos. "pago a mercadoria, mas não sei se vale a pena", essa é a síntese da inferioridade brasileira. e é aí que nelson rodrigues, do alto de seu efisema, estava certo.


pode ser que eu esteja errado, mas deus não abençoa nelson rodrigues. pois ele estava certo.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

do trivial

quanto já se falou do trivial? e quanto ainda ou nunca se falou do trivial? o que somos enquanto trivialidades? ser é existir? ou ser é ser? quantas questões nos fazemos e quantas outra mais ainda iremos nos fazer. na calada da noite quantos pensamentos monumentais nos cercam, quantas indas e vindas chegam e partem? onde tudo não faz sentido e o nada é resoluto, abismal e mecânico. quantos se curvam aos mistérios do universo e da vida? quantificando o existir e existindo quantificando. pode ser muito à pensar essa hora, 03h da manhã.

o que somos? o que podemos ser? até onde ser e até onde nunca ser? onde no outros nos vemos e onde em nós os outros não enxergam? que parte de nós nunca deixa de pensar e qual parte sempre se cansa a cada rodada de assuntos novos? quantas perguntas mais até o fim dessas frases? nada se resolve. nós criamos mais e mais respostas pra perguntas que ainda nem sabemos. como nós somos esse amontoado de coisas e ainda sim não nos sentimos parte de nada? vagando pela luz, pela escuridão, pelo meio fio da calçada.

quantas partes faltam, quantas faltas partem? as lembranças de cada um, as reflexões, angústias e lampejos de fome. quantas retas dão em nada e quantos nadas são cada vez menos retos. nós. nós. e nós.

pode ser que eu esteja errado, mas somos átomos que sabem demais.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

franquezas e fraquezas

estava lendo essa semana, na verdade relendo pois parei no meio do caminho, um livro do Christopher Hitchens sobre o George Orwell, chamado "A Vitória de Orwell"(em inglês: "Why Orwell Matters"). confesso que sou fã dos dois, mais ainda do segundo. tenho quase todos os livros de orwell e já li boa parte deles avidamente. mas há um momento desse livro do hitchens, assim como boa parte de seus escritos, que ele dá uma guinada a um assunto que pouco tem a ver com o assunto principal. nesse caso, nem tanto, já que ele falava da experiência de orwell na birmânia, a serviço do império britânico.

hitchens falava sobre o ensino de inglês na índia e em colônias britânicas da ásia e como a população dessas antigas colônias dominava bem o inglês apesar da imposição do império. e essa revelação, um tanto quanto óbvia, me fez pensar sobre meus tempos "duros" de faculdade. explico. duros porque lembro da linha dura em que eu e outros amigos tivemos em relação a temas "anglófilos", por assim dizer. sempre fui "fluente" em inglês. não sei se pela influência da cultura norte-americana tão enraizada em meninos de classe média tijucanos ou pela própria facilidade da - já que os tempos verbais e as flexões de palavras são ínfimas - e com a língua - desconfio que genética, já que minha irmã também sofre da "moléstia", sabemos inglês bem sem termos feito curso -, mas sei ler e arrisco volta e meia poucas frases.

nessa época de linha dura, havia uma certa desconfiança e confesso, preconceito da pior espécie referente a tudo que era imperialista - leia-se: viesse em inglês - e que não fosse pró-algo que acreditávamos. não é um tempo muito distante, mas distante em relação ao que penso e vivo hoje. época diferente, como toda época é em relação à qualquer outra. hoje me tornei não um defensor, mas sim um grande admirador da cultura de lingua inglesa em geral. em outros tempos me enforcaria ao pensar que me tornei um defensor do yankismo e do império expurgador de colônias, mas hoje o pensamento lapidado - a duras marretadas - é outro.

como no caso do relato de hitchens, a lingua inglesa se tornou não a lingua do império, mas uma língua franca para os habitantes dessas áreas, que por mais que dominados por séculos de poderio bélico anglófilo, sabiam e falavam a lingua do dominador com mais facilidade do que se ela não fosse imposta. enquanto que o dominador mal sabia os comandos de ordem nas linguas dos dominados. e essa franqueza da lingua nesse relato me fez rever os conceitos que eu e outras pessoas tínhamos em épocas passadas. acho que alguns antigos companheiros ainda preservam esse martírio entre ter feito curso de inglês e não querer seu lacaio de "potências", e até recentemente alguns se dispuseram a aprender outras linguas, digamos periféricas, para exaltar alguma "latinidade" ou simpatia por outros dominados, geograficamente mais perto.

há toda uma cultura rica por trás dos comandos do dominador, toda uma história com raízes e motivos por trás do "do what you're told". e muitas vezes nos enganamos pela superficialidade que muitas de nossas opiniões se baseiam. ao fim da faculdade é que fui descobrir outros autores americanos e ingleses. nas verdade não descobri, mas apenas abri meu espectro de afinidades, até porque não precisa se descobrir huxleys, faulkners e whitmans, uma vez que são textos inerentes à vontades ou birrinhas políticas.

e essa descoberta me veio com certa tardeza, não que aqui digite um ancião, mas queria ter descoberto com menos idade. mas, mais uma vez a época é outra, os autores também. pelo menos posso pensar que hoje os conheço e não tenho muita birra com outros autores, independente de suas linguas. e o saldo final dessa leitura é que muitas vezes perdemos muito por acharmos que uma cadeira não passa de uma cadeira, e que suas quatro pernas dizem muito mais do que achamos.


pode ser que eu esteja errado, mas o dominado muitas vezes não é franco.

terça-feira, 19 de julho de 2011

hoje não

hoje faço 24 anos. curti essa vida ainda que seja uma vida curta. gosto muito dela na mesma medida que ela muitas vezes não vai muito com a minha cara. confesso que hoje sou e não sou a mesma pessoa que há 5 anos atrás, nem a mesma que há 2 anos atrás. a vida mudou, mas eu não mudei nada. mesmo as opiniões mudadas, e olha que elas foram muitas, para mim ainda são as mesmas, mesmo que diferentes. ninguém muda ninguém. e muito menos ninguém se muda. a gente é o que é. "you are what you is", já dizia Zappa.

vejo fotos recetes de companheiros não tão longes de mim e vejo que há um abismo. "the thrill is gone", já dizia King. não sei quem fez a escavação, pode ter sido eu. assumo aqui. mas nada me moveu pior depois disso. não sinto remorso, apenas saudade, o que é bem diferente quando as coisas mudam. você não pode mudar e por isso tem saudade do tempo que as coisas ainda significavam algo. e não há remorso em querer fazer diferente. as coisas mudaram. você nunca mudará. e isso é o ponto chave.

o que ficou na lembrança foram tempos bons, suficientes para o que eram. hoje não mais. hoje não mais são do que passado. vem a lembrança à mente, mas ela não passa disso. de uma lembrança. quem te abandonou e quem você quis abandonar. seja por vontade própria, do outro ou dos rumos que a vida leva. hoje olho pra trás sem remorso, uma ponta de saudade e pensamentos para o futuro. não há mais marlon brando, pocahontas e eu. me sinto cada vez mais só. e não é ruim. só uma constatação. no fim que vai cuidar de você é você mesmo. o ninho já não te cabe, as roupas não mais se passam, as urgências são outras.

cada um constrói o caminho, o seu próprio caminho. sim, a verdade é a maior mentira que existe. cada um tem a sua. de tragos e goles martelo as minhas.

hoje eu não estarei errado, é meu aniversário.

pedro toledo.

domingo, 24 de abril de 2011

marcha lenta

tentaria ser mais produtivo se não fosse o tempo que me falta, justamente por falta de uso. não invoco aqui leis da física ou teorias sobre tecituras. apenas não aproveito bem meu tempo. sei disso. é um fato. gostaria que ele não se consolidasse com tanta frequência. queria não entregar as coisas em cima da hora ou no mínimo com tanto atraso. não culpo aqui minha agenda cheia, mas culpo a mim mesmo. não sei se me faço entender.

me falta tempo porque me falta saco. não consigo seguir uma rotina. acordo cedo tranquilamente, mas com certeza não me verão fazer nada produtivo antes das 10 da manhã. posso em um dia provar a exceção da regra, mas não irá durar uma semana. não sei se posso chamar de preguiça, mas acredito em grande parte ter uma inoperância aguda para as urgências cotidianas. me dê um prazo e nunca vou cumpri-lo. se te falar em datas, estenda-as, há um fuso diferente.

isso tudo atrapalha e ajuda. o porque não sei. talvez até saiba, mas no final preciso ser preguiçoso. sou assim como dizia o desgastado milton santos, um "homem lento". aquele que demora para pensar, para fazer, para executar. e ainda vou ao contrário do que o magistral(sic) acadêmico concluiu: não faço as coisas melhores por isso. não chego a ser um con-artist no sentido mais preciso. talvez possa vir a ser, mas dá muita preguiça. aí que reside o ponto principal da prosa.

adoraria levantar todos os dias e fazer tudo antes do tempo, tudo dentro do programa, tudo sem atraso e tudo sem demora. mas sabe, as coisas não funcionam do jeito que queremos, mas do nosso jeito. difícil entender o quadro torto que aqui se pinta? sim, mais um sintoma da minha falta de saco que se traveste de "capacidade". "mas você está desperdiçando talento!" já me disseram. e pergunto: "qual? o meu? lógico que não." talento nada mais é que uma barra de chocolate ruim com confeitos que a fazem pior. não há como o meu motor intelectual e biológico trabalhar em sua capacidade máxima. não há aceleração suficiente porque entre a marcha do "tenho que fazer essa coisa..." para o "isso tem que estar pronto!" tem a do "vou fazer sem pressa, talvez amanhã".

mas apesar do andar asôfrego da carruagem, acho que no final do dia - ou das coisas - me saio bem. não invoco, repito aqui, uma ode ao ócio criativo - até porque ele só existe para vender livro de sociólogo maçom - mas assumo as "falhas" de ser esse carro que olha a ladeira e inventa de engasgar. não fujo às responsabilidades, apenas estendo seus limites. nunca deixei de fazer algo importante por preguiça, mas já esqueci bastante por inoperância. confesso aqui diante do tribunal vazio, mas também pergunto ao juiz qual parte do dia ele também não se cansa de tudo?

pode ser que eu esteja errado, mas as coisas dão seu jeito.

terça-feira, 22 de março de 2011

apesar dos pesares

lembro de quando eu era muito fã do henry rollins: começo de faculdade, uma pilha de nervos escutando black flag. uma adolescência musical que terminou tarde. eu via de tudo dele. lia artigo, assistia video, baixava dvd e ouvia tudo que ele tinha gravado e esperava ansiosamente por qualquer coisa que ele fizesse, porque seria o máximo.

hoje lendo um artigo sobre ele - e um pouco distante do mito - me lembrei que fora ele fazer aniversário no mesmo dia que a minha mãe, fez 50 anos. 50 anos. não sei bem porque me lembrei de forma tão intensa que o cara que eu idealizava há 5, 6 anos está mais que ficando velho, está velho. há caras assim como lemmy, que tem 65 anos, e que todos sabem que é uma lenda (e das velhas), e que ainda nos assusta com sua idade quando nos faz constatar o que continua fazendo. é difícil ver caras da idade de henry e lemmy escrevendo e falando em profusão e que em nenhum momento te fazem lembrar que no minímo possuem o dobro da sua idade.

mais ou menos ilógica ainda é a comparação que se tem. sim, lemmy é uma figura folclórica: o cowboy galês bebedor de bourbon e coca que mesmo diabético segue a mesma pesada rotina desde os 30 anos. e claro, henry se manteve longe de tudo que lemmy faz, fez ou vai fazer: bebidas, mulheres, jogos. abstêmio, incrivelmente em forma e com um jeito peculiar de evitar as senhoritas que não se encaixam no padrão. agora o que há para se ver em em dois pontos equidistantes de uma mesma galáxia? há uma paixão incansável pela música, uma defesa da solidão profissional e uma visão criticamente responsável do mundo. três das quais compartilho todas. e três das quais se vê um mundo não cada vez mais carente, mas mais rarefeito de lobos fora da matilha. não me equiparo aqui novamente com nenhum dos dois, muito menos idealizo todas suas ações e nem por último estou querendo provocar o levante dos malquistos. mas mais uma vez faço um esforço de leitura que gosto.

há um quê de auto-preservação nessas atitudes destrutivas - destrutivas aos olhos do resto do mundo abobalhado consumidor de mtv e twitter do eike batista - que provoca em mim uma esperança, e confesso do fundo do vórtice: uma das poucas que tenho. esperança não em uma salvação ou rendenção através do "mau-exemplo", mas sim uma esperança que mostra que não se precisa ser pasteurizado para viver num planeta que se auto-consome sem amanhã. não digo que há uma juventude em todos, não só porque desde 1922 acho esse termo ruim, mas há na verdade um - peço perdão de antemão pelo uso do termo já destroçado pelos imbecis acadêmicos - contra espaço que tende ter e gerar pessoas como rollins, como lemmy, como peréio e etc. contra espaço ainda que difuso, confuso e menos em rede do que se imagina, diga-se de passagem. não se desenha aqui a elegia à vitória dos lewis skolnick da misantropia ou gregorys house da vida real, mas sim uma constatação que há outras formas para além das ensinadas. que em um momento podemos ser muito menos do que os outros esperam e ainda sim continuarmos nossas vidas esquecendo o bullying mecanicamente programado para nos uniformizar.

estar fora da caixinha não é motivo de orgulho. não há aqui um recrutamento para o fracasso, mas apenas uma constatação que a verdade é a maior mentira que existe. não leve esse discurso como se fosse um manifesto hipster ou outsider, porque é justamente o contrário. não há um encaixe disforme, mas um encaixe diferente, um não-encaixe. não são indivíduos ou grupos tentando remar contra a corrente, mas sim pegando outra onda, que não urge de ser compartilhada e muito menos é proibitiva a haoles que discordam com as remadas estranhas. há esse pequeno lapso, uns dirão falha, na estrutura de um mundo que não é programado, ou programada, para justamente parecer errado, mas apenas diferente, que por mais que alguns se incluam fora do mar quarternário - incluindo este aqui - ainda nos surpreendemos como se nunca tivessemos sido lembrados, apesar de sempre termos existido. repito, tal constatação não é mais um passo à esquerda ou à noroeste de qualquer posição política, ideológica, econômica ou o que seja. não é mais uma bandeira hasteada, mas a ausência de uma bandeira. ainda que se tenha princípios, mesmo que não validados ou outorgados, eles não são contra-princípios e não fazem parte de uma dualidade ou que quer que tentem explicar.

quando lemmy, rollins, peréio, hitchens e outros exemplos chegam à idade que tem apesar dos pesares, há ainda espaço para todos e mais que isso, há um espaço para cada. apesar dos pesares. essa, digo mais uma vez, não é uma lição a ser aprendida e muitos menos uma vitória em embate algum, são apenas lembranças do que uma parte do mundo nós somos, porque ninguém aqui está competindo.

pode ser que eu esteja errado, mas nunca estaremos certos.