domingo, 10 de junho de 2012

ai de mim...

quatro da manhã e o que se espreme é só poesia. acho e talvez tenha a certeza que essa é a hora-ápice dos poetas. entre tentar fazer a noite durar e ver ao fim de duas ou mais horas o sol nascer só há poesia. mesmo os textos mais nítidos, técnicos, aptos e homéricos se acabrunham à essa hora. é a hora da melancolia, do sono perdido, da cabeça a mil. e cabeça a mil quase falhando, e daí sai a poesia. a poesia é o limite antes da pane. todo poeta se esgota depois de cada verso. todo fim de estrofe tem seu rumo direto para a falha mental, para a exaustão. nenhuma poesia é digna depois das seis da manhã. todo poeta se cansa, e não precisa ser parnasiano para se cansar. mesmo um leminski devia se sentir exaurido após dois ou três versos tortos.

 a poesia é muito pessoal para ser relida, para ser reescrita. é momento, é ponto de esgotamento. todo poeta que se re-lê encontra um ser humano ridículo. e pior, se encontra ali. isso é o mais fatal da poesia. ao contrário da filosofia, que serve para tudo, a poesia serve para nada. e é o esforço para o nada que esgota. é engraçado ver que a filosofia e a poesia muitas vezes parecem andar juntas. um Cioran escrevendo parece poeta. e o melhor dos poetas. triste, deprimente, melancólico, decadente, amargurado, profético. a poesia se torna filosofia no momento em que se esgota, não consegue mais andar. a poesia na cadeira de rodas é a filosofia. enquadrada e se arrastando.

ser poeta não é profissão. e poesia não deveria ser alegre. não há razão para ser alegre. mesmo as de amor carregam um pouco de bironismo detestável. o ponto alto da poesia é a saturação, o esgotamento, o fim. é o nada traduzido em palavras. daí que ao chegar ao nada se esgota. a chave de força desliga. o homem se fecha ao se abrir. a tortuosa estrada que leva aos versos e as estrofes é feita de cacos de vidro. a linha de chegada é um soco no peito. e nada mais. daí o poeta se cansa, vai dormir, espera outro dia. para se angustiar novamente. cansado, com as costas doendo, a mandíbula travada, a mente perturbada, faz poesia para tentar se calar. é estranho falar aos prantos quando se escreve quando a finalidade é perder a voz, se esgotar ou tentar se esquecer. e no final se perdura mais ainda.

nada dura mais que a poesia e nada deveria durar menos. é insípida e inodora muitas vezes. normalmente quem escreve é quem lê. normalmente tem as piores críticas, porque, realmente, deve ser assim. não se faz poesia com calma, com parcimônia. apenas a espera. como um trem. só que o poeta está nos trilhos. e quando ela vem destroça o ser humano. porque deve realmente destroçar. nenhuma linha nasce na plataforma, todas elas estão no vão. e não há poeta que consiga se abaixar para pegá-las e depois soltá-las. elas vem com rapidez, marcam com rapidez e se vão com rapidez. nem oi nem tchau. a poesia serve para isso. para nada.